17 de setembro de 2017

Eu estou aqui! - O resgate da essência do heroísmo


Saudações, guardiões!

Esse texto é uma opinião bem pessoal, e também uma crítica ao mercado de quadrinhos ocidental. Estou fazendo essa crítica utilizando a obra Boku no Hero Academia como base, pois nela eu consigo apontar alguns aspectos que eu quero pôr em debate.

Quando as primeiras histórias de super-heróis começaram a surgir, lá no começo da década de 30/40, os personagens eram extremamente caricatos e suas histórias possuíam enredos simples. A crise e a ideia da guerra assolava a sociedade, e a ideia de um herói todo poderoso como seu salvador era tentadora. Isso atraiu a atenção das crianças e dos jovens, e com o tempo conquistou toda uma geração.

Action Comics volume 1, junho de 1938, a primeira aparição do Super-Homem.

No início, as histórias eram simples. Não tinham a complexidade e a continuidade de hoje em dia. Cada nova edição o herói enfrentava e lidava com inimigos diferentes, e ficava naquilo. Na próxima edição, mais um vilão, mais um problema, e assim se seguia. O herói era um bom moço, com um bom emprego e uma linda namorada, que dividia seu tempo livre com seu alter-ego mascarado que buscava fazer justiça com as próprias mãos. A utilização da máscara era essencial: uma maneira de proteger aqueles que o rodeavam e sua vida pessoal. Era comum ver a namorada do herói amarrada no trilho de um trem ou em outras situações perigosas, fazendo com que os heróis atingissem o ápice de suas habilidades. E tudo isso era cativante. Os heróis conquistaram os quadrinhos e inspiraram toda uma uma nova geração de leitores e escritores.

Com o passar dos anos e galeria de heróis e vilões das editoras aumentando, foi sendo moldado o que hoje nós conhecemos como Universos (como por exemplo, Universo Marvel, Universo DC e etc). Tendo o fator continuidade a ser considerado, as histórias deixaram de ser isoladas e agora faziam parte de um todo, tendo relações e crossovers a todo momento. Surgiram as primeiras super-equipes e as primeiras grandes sagas, que abrangiam todos os heróis que faziam parte daquele universo. As histórias começaram a tomar um novo tom, deixando de lado a simplicidade para focar nos dramas dos personagens e se aprofundando em seus psicológicos. Aquela velha formula do "gato e rato" foi deixada lado e agora as histórias de super-heróis representavam muito mais que o bom e velho heroísmo.

Universo Marvel

Os super heróis não combatiam mais ladrões de joalherias, vilões cômicos ou assaltantes de beira de estrada. Agora eles combatiam ameaças cósmicas e entidades que vão além da nossa compreensão. Eles não protegiam mais apenas o seu bairro, mas sim, todo o universo.

E eu não gosto muito dessa ideia.

Sim, o mercado mudou, e o leitor também. As histórias não venderiam mais se focassem em enredos simples como eram antes. Mas devo confessar que sinto falta de boas histórias com heróis enfrentando e combatendo os problemas reais da sociedade. Eu sei que eles estão ali, fazendo tudo o que fazem para proteger a humanidade... Mas a humanidade sabe que eles estão lá, fazendo tudo isso? Eles ainda sofrem no cotidiano, e o assaltante de joalherias continua lá, ameaçando a vida do civil comum. As pessoas ainda sentem o medo de caminhar à noite, pois não possuem uma figura presente que dê segurança e esperança a elas. O herói está muito ocupado em outra galáxia enfrentando uma ameaça que a humanidade sequer faz ideia que existe.

O que eu crítico é exatamente isso: a falta de histórias de heróis onde eles representem segurança as pessoas. Elas se desvirtuaram tanto de sua origem que hoje parecem qualquer coisa, menos uma história de super-herói. Por mais que a cronologia das histórias evolua com os anos e os heróis nem sempre permaneçam fazendo exatamente a mesma coisa, os roteiristas não se preocupam de buscar uma forma de reinserir a velha fórmula no contexto moderno. Algumas revistas ainda flertam com essa ideia, mesclando-a com os conceitos mais atuais que são utilizados atualmente nas histórias, mas não tem nada que seja realmente relevante.

Se coloque no lugar de uma pessoa dentro de um quadrinho: você sabe que o Homem-Aranha existe e vive na sua cidade, mas você consegue imaginar ele te protegendo, caso o pior aconteça? Os heróis se distanciaram daqueles que deveriam proteger e se fecharam em sua própria bolha de problemas.

Hoje, não temos nada além de uma busca desenfreada por vendas, inserindo plot-twists confusos e transformações radicais em conceitos consagrados.

Sim, os heróis evoluíram em suas histórias, deixaram de ser meramente super-seres para se tornarem mais humanos e próximos a nossa condição de míseros seres viventes. Mas, a sociedade ainda precisa de uma figura que represente a paz, que traga segurança e acalente suas almas. O super-herói precisa ser super, acima de tudo. Humano, é claro, mas sua capacidade como super deve superar todas as suas falhas, e não o contrário.

É ai que entra Boku no Hero Academia e a maneira como resgatou e transformou a velha fórmula dos super heróis.

Capa de Boku no Hero Academia volume 1

Esta obra conta a história de Izuku Midoriya, que apesar de ter nascido sem peculiaridades (como são chamados os superpoderes na série) em uma sociedade onde praticamente todos tem poderes, sonha com o dia em que possa se tornar um super-herói. Para isso, ele conta com a ajuda de Toshinori Yagi, mais conhecido como All Might, o Símbolo do Paz, o herói nº 1 da atualidade. Com uma peculiaridade capaz de ser transferida de geração a geração, All Might transfere não só seus poderes a Midoriya, mas também suas esperanças de que ele possa substituí-lo um dia em sua posição.

Os heróis de Boku no Hero Academia, apesar de seguirem um caminho diferente do que somos acostumados nos quadrinhos ocidentais, não deixam de possuir o raciocínio original no qual a os primeiros super-heróis foram forjados: a solidariedade com a sociedade e um elevado senso de justiça.

Ao contrário dos famigerados justiceiros e vigilantes ocidentais, os heróis desse mangá são funcionários públicos e atuam através de escritórios. Cada herói age em uma determinada área e possui ajudantes e auxiliares, além do dever de prestar conta de suas ações ao governo. Este é um conceito que foi bastante abordado em um dos grandes arcos da Marvel, a Guerra Civil (recentemente adaptada para os cinemas). Porém diferente da confusão causada dentro do panteão de heróis Marvel, os heróis de Boku no Hero Academia não possuem problemas em agirem na dita "legalidade". Com salvas exceções, suas identidades são plenamente conhecidas pela população, e isso não mostra ser um problema para eles. Apesar dessa burocratização dos super-heróis, isso não chega nem perto de ser um defeito da obra.


"Eu estou aqui!" é o maior bordão do herói All Might. É um modo de dizer às pessoas que agora elas não se precisam mais se preocupar, pois o salvador chegou. São palavras poderosas. Impactantes. Com um significado extremamente expressivo. A sua atuação no combate ao crime diminuiu notoriamente a criminalidade no país, tornando ele conhecido como o grande Símbolo da Paz.

Ele é visivelmente inspirado no Super-Homem e nos estereótipos dos heróis norte-americanos, e isso não é nenhum segredo. Kohei Horikoshi, autor da obra, é um fã assumido dos quadrinhos ocidentais.

Seu grande e brilhante sorriso é uma de suas marcas registradas. Amigável, gentil, brincalhão... All Might é o herói mais otimista da obra. Porém, ele escondeu da maioria das pessoas seu maior segredo: uma ferida de batalha que lhe custou alguns órgãos internos. Devido a isso, ele só pode manter sua forma musculosa por um determinado tempo.

Sua preocupação em esconder sua forma precária e sua condição de saúde é o medo de trazer desesperança às pessoas que ele protege. No papel de Símbolo da Paz, ele tem o enorme peso em seus ombros de sorrir diante de qualquer perigo e garantir o futuro da sociedade, impedindo que qualquer mal avance e perturbe a paz que ele forjou com seus punhos e seu suor. Toshinari Yagi é tão humano quanto qualquer outro personagem, mas toda a emoção e sentimento em seus atos são quase superiores quanto seus poderes. Ele é como eu, e como você também, mas ao mesmo tempo, ele está muito, muito distante de qualquer patamar que possamos atingir. Pois mesmo com todas os obstáculos em sua vida e com sua saúde em risco, ele não desiste, e continua agindo. Pois é isso que um herói faz: não se dobra, não importa quão grande sejam suas dificuldades.

Em sua busca por um pupilo, o que ele almejava em alguém era uma pessoa que fosse tão capaz quanto ele de se arriscar pelo bem do próximo sem pensar duas vezes, visando o verdadeiro papel do herói. All Might é um herói puro e livre de qualquer maldade. Seus atos são justos e suas ações são plenas.

Seja atuando em desastres, enfrentando terroristas ou vilões, All Might era uma figura presente. Ele sempre estava lá. A sociedade podia respirar aliviada, pois o salvador chegaria a qualquer momento, sorrindo e rindo.

O golpe mais poderoso de All Might. Todos eles possuem nomes de estados dos Estados Unidos.

Era um pouco mais disso que eu gostaria de ver em alguns quadrinhos atuais. Claro, ainda temos boas histórias, como Kick-Ass, que exprimem um pouco do que eu falo aqui... Mas não tanto quanto eu gostaria de ver.

Devo admitir que talvez eu tenha uma visão ultrapassada dos heróis, ou talvez eu não tenha lido o suficiente para compreender melhor essa transformação. Eu analiso pela minha perspectiva: como eu queria que fosse caso eles fossem reais. Como eu iria me sentir seguro caso eles estivessem aqui.

E sinceramente, se eu tivesse que escolher entre qualquer herói para ser o Símbolo da Paz da humanidade, All Might certamente seria a melhor escolha. Pois entre tantas figuras super-poderosas que vemos hoje em dia, é o único que diz, diretamente a você...

...EU ESTOU AQUI!